Raposa de Fogo (1982), de Clint Eastwood | Crítica

Cinema Marginal
4 min readJun 16, 2021

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por Daniel Fonseca

O oprimido herói eastwoodiano

Em longa de espionagem no contexto da Guerra Fria, Clint faz ficção quase que retro-futurista sobre um de seus heróis militares.

Apesar de ter estreado como diretor pouco mais de 9 anos antes do lançamento de Raposa de Fogo, Clint já era um astro tanto de Hollywood como do gênero western, principalmente devido à sua colaboração com o lendário diretor italiano Sergio Leone na intocável trilogia dos dólares.
Voltando para os Estados Unidos e engrandecido pelo seu trabalho na Europa, Eastwood começa a se aventurar na direção de seus próprios filmes, criando sua produtora e tendo como seu primeiro grande lançamento o famoso faroeste intitulado de O Estranho Sem Nome (1973), que bebe da fonte dos conceitos de protagonista dos filmes que participara outrora.
Seu segundo grande filme (pelo menos o segundo grande lançamento assistido pelo dito crítico que aqui vos escreve) foi justamente este que é tema central deste texto. A tirar do contexto histórico vivenciado na época, fica óbvio que a máquina midiática norte-americana fabricava filmes de propaganda anti-soviética e pró-capitalismo a rodo, e creio que tenha sido essa oportunidade que fez com que Clint começasse a desenvolver e concretizar, agora pela primeira vez, seu interesse por ficções de heróis militares.

Para mim, fica claro que Firefox é o início disso tudo. O longa é um passeio entre a propaganda imperialista, um estudo de personagem convincente e um suspense igualmente atrativo. Somos colocados numa situação de espionagem vivenciada por um protagonista totalmente estranho e traumatizado com esse tipo de experiência. Talvez seja de fato forçado, ou então não muito bem encaixado, todo o background dado ao personagem Mitchell Gant, aqui interpretado pelo próprio diretor, e creio que seja justamente isso que deva enfraquecer o filme à primeira vista. Muitas vezes o que é colocado sobre a tela através da sobreposição de planos são flashbacks deveras inúteis tanto para o princípio que guia a obra quanto para o caminhar da própria narrativa.

Deixando isso para trás, é de se apreciar o trabalho que Eastwood faz aqui com sua direção e atuação. A demonstração do estranhamento do agente com o trabalho ao qual lhe foi dado por seus superiores é passada para a tela através da decupagem incrivelmente apurada de Clint, que enquadra diversos planos de maneira a nos deixar claustrofóbicos com a opressão do espaço em que o protagonista está inserido, algo que também é demonstrado pelos seus calculados e tímidos movimentos de câmera (às vezes apenas um travelling ou uma simples pan), que acabam por deixar nosso herói mais inexpressivo e impotente enquanto assistimos. O major é tão tímido quanto as composições do diretor. Ele é oprimido pela estranheza do espaço.

Ainda sobre este tema, o diretor faz um uso bastante discreto de cores, mas que — na minha experiência — fez total diferença, visto que esse uso reforça ainda mais o estranhamento espacial, princípio guia da obra e sua característica mais chamativa. O vermelho característico dos soviéticos é marcante e sempre fica fora de foco. Aliás, é difícil ver composições com grande profundidade de campo. Estamos o tempo inteiro focados no americano infiltrado em solo socialista e na opressão sofrida por este durante a missão. A cor dos sovietes nos deixa em estado de tensão boa parte do tempo, sendo esse efeito muitas vezes causado de modo apenas subconsciente, dada a recatada direção do autor americano.

Como filme de propaganda, Raposa de Fogo é um ótimo estudo de personagem. Desde o início o acompanhamos em toda sua incerteza e em todas suas capacidades e seus traumas do passado causados justamente por essas. Essa característica fica mais notável ainda quando percebemos que toda a missão a qual o major Mitchell Gant foi submetido é secundária durante o tempo de tela do longa, tanto que o Firefox (a aeronave soviética a qual o protagonista foi delegado a roubar) só aparece após o segundo terço do filme. Até lá, a contradição entre o moralismo de um norte-americano e o sufocamento ao qual ele está submetido em solo inimigo é o tema principal do filme.

Não totalmente contrapondo este aspecto, mas sim de forma complementar, após a primeira fase da missão ser concluída a propaganda americana não falha em aparecer na tela. Todo e qualquer soviético é estúpido e burro, com uma capacidade de falhar a conclusão de quase que toda premissa, as quais são apresentadas quando se dão conta que sua potente arma de guerra foi roubada. É de fato uma missão simples para o protagonista, e é justamente isso que me faz pensar que o longa não é apenas sobre a quest do herói, mas sim sobre um exímio militar serviente do imperialismo americano enfrentando a opressão no espaço do adversário para ser leal à sua pátria.

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