Maligno (2021), de James Wan | Crítica

Cinema Marginal
3 min readSep 20, 2021

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por Almir Basílio

James Wan é plenamente consciente do que está fazendo e faz questão de avisar isso durante todo o filme. O fato dele constituir seu filme a partir de um aglomerado de características que usualmente são renegadas pelo suposto bom gosto ou colocadas como essencialmente defeituosas demonstra uma autonomia louvável que faz certa falta hoje. Clichês do gênero, falta de realismo, um vilão que é mal por natureza e sobretudo a falta de um profundo significado que justifique os acontecimentos do filme… tentar diminuir o filme de James Wan por julgar esses aspectos como defeitos é ignorar toda uma geração que fez filmes de terror maravilhosos sem se envergonhar dessa essência. Por outro lado, a simples reivindicação do direito de se fazer um filme assim, e que é continuamente relembrada a cada nova passagem, no máximo implica em uma simpatia pela proposta, mas jamais seria suficiente pra dar outros méritos ao resultado final.

No fim das contas, a reivindicação deste filme é puramente aquela: do direito de se fazer um filme de terror que não se envergonhe de ser “apenas” isso. O principal, portanto, não é nem de longe a reivindicação ou resgate do modo de filmar de grandes diretores do gênero (e do impacto específico que se tem ao assistí-los), porque James Wan não tenta emulá-lo: à parte do fundo familiar, com ideias e visual que explicitam uma reverência aos clássicos, na hora de encontrar os meios (um certo modo de mover a câmera, dispor os elementos no plano, acompanhar a ação) para atingir determinado efeito com uma cena, não há tributo, e o efeito é praticamente oposto do que seria nos filmes que reverencia: se uma situação seria assustadora, em Maligno ela torna-se quase engraçada devido à atmosfera que a cerca. A homenagem fica pela metade, e talvez essa tenha sido uma decisão mais acertada. Nos momentos de revelar uma assombração que se encontrava no ambiente, ou de filmar uma morte violenta, é apenas a própria visão de James Wan que se faz presente na encenação, mais especificamente sua visão para um filme que tem a metalinguagem como razão de ser. Nesses momentos e em quase todos há algo de previsível, óbvio e clichê — de propósito, evidentemente, afinal as cores e iluminação estilizadas e aqueles enquadramentos que gritam que alguma coisa assustadora vai aparecer assim avisam. A questão é que quando a homenagem fica pela metade, algo que torna os clássicos bem sucedidos no terror se perde no meio do caminho e forma-se uma atmosfera que impede o filme de ir além da comédia e de ser encarado além do viés da ironia.

É irônico que um filme que quer tanto homenagear o terror aceite se reduzir apenas à sua simples e confortável proposta ao ponto de não abraçar mais possibilidades tanto do gênero quanto dos filmes cujo estilo buscou como inspiração. A atmosfera engraçada, irônica e certamente divertida de um filme quer a todo momento provar que pode fazer o que quiser é satisfatória de acompanhar, mas simplesmente anula certas emoções quando elas fazem menção de aparecer em algumas cenas que acabam deslocadas por isso. Se sentimos medo, comoção, empatia, enfim, em um filme do Dario Argento ou Cronenberg, assim nos sentimos porque esses diretores nos atiraram nas atmosferas que criaram em seus filmes e nos convenceram delas de alguma forma, independente de quão pouco realistas eram. No caso de Maligno, ao contrário, a atmosfera apresentada por James Wan nos orienta a nos divertir com a forma com que outros filmes nos provocam esses sentimentos, de modo que, quando o filme em si tenta atingi-los, o consegue apenas com ressalvas.

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